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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

congresso da desfalência




Minha pele
não alcança minha alma
a lividez do sentimento
enobrece meu temor
e treme
palpita
espanca
sigo
louca
desvairada
voando pela terra
rasgando o peito
desfalecendo sonhos descabidos
morrendo na eternidade de uma hora
sobrevivendo nessa ínfima realidade
que maldade!
preserve a inocência
desde a adolescência
até a juventude!
amiúde
apesar do final
alhures
farfalhe as folhas da vida
e queime no fogo de estar viva
vivendo.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

aos que não pensam na vida





Os que pensam pouco na vida vivem mais felizes. Eles não quebram cabeça com questões que tiram o sono, eles dormem bem.
Eles viajam e conversam e cantam. Eles ouvem músicas sem pensar no que o compositor sentia quando escreveu, ou sem imaginar mil histórias vividas ou não para a mesma canção. Eles assistem a filmes dos anos 70 ou 80 e não ficam com cara de bobos ou voltam inúmeras vezes a mesma cena para ouvir de novo o diálogo que mexeu com suas estruturas mentais. Eles não veem tantos filmes dos anos 70 e 80. Eles não ficam entre mil amores tentando entender qual deles correspondem ao descrito por Bauman em Amor Líquido, porque os que não vivem pensando na vida simplesmente seguem o instinto. 
Eles não escrevem e por isso não se martirizam se não escreveram logo aquela estória ou registraram aquela ideia, porque simplesmente eles não a pensaram. Eles não perdem tempo com isso e são mais felizes. 
Eles não passam o tempo decidindo o que é certo e errado ou se essa dicotomia de fato existe, eles não gastam bom tempo de vida a pensar nisso. Eles têm coisas mais importantes para fazer do que pensar em questões que provavelmente não irão resolver. 
Eles agem por impulso. Não passam maior parte do tempo de vida pensando no que fazer, no como fazer, no porquê fazer, no dever fazer. Eles não se pressionam e se impressionam tão fácil. 
Acho que descobri a receita para ser um tanto mais feliz: não pensar tanto. E no entanto, é uma receita que não pretendo seguir.

ainda sou um sim



A essa hora da vida, 
ainda sou um sim.
Sinto a força pulsar no meu peito,
correr em minhas veias.

Fecharam-se as feridas
e o sangue estancou.
Nenhuma dor há de durar.

Somos o indefinido.
A metafísica de que falava
o guardador de rebanhos.
O silêncio manso no olhar da mãe,
o brilho no olhar do filho
e o mundo à nossa porta,
como oxigênio aos nossos pulmões.






J. G.
07/07/2014

Sinto um gosto amargo...

Sinto um gosto amargo na boca
uma dor perfurando a alma que agora
sei que existe
sinto a dor de perder-se por dentro
que me ataranta os sentidos
e desfaz meus pensamentos
uma dor que sufoca
arranca-me o ar
fecha-me os poros
e dói, dói, dói!

Necessariamente nessa intensidade
nessa desordem que afugenta a paz
que nunca tive.
Sinto o sangue fugir para algum lugar
desconhecido do meu corpo
e lágrimas vêm beirar meus olhos
antes cortassem minha pele
em tiras miúdas
e tanto não doeria!
Pois é pior, bem pior.
Não há como suportar
uma dor assim
perder o filho que não nasceu
abortar um poema
e estar condenado a esta dor sem fim.
Perdi palavras que saíram de mim
e nem foram para o mundo
do lado de cá
Perdi! Outros perdi, tanto me doeram
mas não assim
doendo, doendo, doendo!
Necessariamente nessa intensidade
nessa desordem que se fez em mim
desde que perdi.

27/04/2015
J. G.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Conto adolescente

Tudo começou no encontro. A dor que consumia cada um perturbava há anos. Nenhum sabia e nem pretendia melhorar. A relação construída tão facilmente e evidentemente feliz maquiava os vértices interiores.
Dentre toda alegria, todo amor demonstrado aos quatro ventos, nada era tão bom assim.
Todos tem seu passado, cujo nunca é a sete chaves guardado, desvenda-se lentamente  com o passar do tempo.
Mal termino um casal e decido partir para outro, um mais real.
Ela... Simplesmente não era o que parecia, e essa nem é a mesma conversa de sempre quando um casal acaba um namoro, noivado ou casamento, é apenas algo que precisa ser contado.
Como não grudar dois seres fincados desde sempre em si? É basicamente assim, de tão diferentes talvez sempre divergiram nas igualdades, e os gostos sempre foram motivo para uma conversa, um cochicho, uma risadinha sarcástica, e também (por que não?) um deboche, discussão e até mesmo uma briga. Ah, isso era constante!
Ainda assim, era tudo intrínseco ao máximo. Tanta limpidez reluzia!
Próximas, uma amizade marcada por tudo. Mas, sempre surge algo que tem de ser dito, e dito urgentemente quando alguém é destemido e disposto a enfrentar tudo, e, pra isso, deve haver um impulso, só um.
- Olha, precisava conversar com você, mas não quero que você se chateie, só me deixa falar. Tem uma coisa que preciso dizer e que está engasgada aqui, o problema é que não consigo, ou melhor, só estou nervosa. Se você puder me ajudar eu agradeceria, mas só no final... sabe que é sua obrigação não é?
- Fala logo, criatura! 
Os nervos à flor da pele e ela só deveria falar, simplesmente, como se fosse a última coisa que pudesse fazer antes de um fim.
- Você sabe, eu não tenho muito a oferecer, mas... Sabe quando a gente ouve músicas? Quer dizer, música de verdade só quando eu coloco né, por quê o que tu ouve, sinceramente...
- Pare de falar mal do que ouço! Tem amor a vida mais não?
- Tenho, tenho muito amor, à vida também. Promete que não vai me odiar? Isso depois que eu falar?
- Eu já te odeio, imbecil! Agora desembucha duma vez que estou ficando nervosa já!
Coração disparado e mãos geladas.
(pega a mão e põe no colo)
- Pequena, muito pequena...
- Se chamar de pequena de novo eu te dou uma surra! Falo sério. - risada - parecia o melhor som de se ouvir.
- Tudo bem, parei. Não sei se você já percebeu, mas eu te olho, e te olho muito.
(interrompe)
- É, você sempre foi curiosa, e adora colocar defeitos em mim. Só nunca falou do meu cabelo porque ele é ótimo e você morre de inveja por ser maior que o seu!
- Lembre que ele é melhor que o seu só que é mais curto! E pare com isso, me deixe continuar. (ok?)
(assente com a cabeça e olha fixamente)
... É... Não é desse jeito, apenas, que te olho, eu ando enxergando mais do que devo. Ando querendo você sempre mais perto, como se precisasse sempre sabe? Tipo, te vejo e já fico boba, mas disfarço muito bem, tu sempre soube que sou ótima é disfarçar. Sabe porque nunca namorei?
- Não... (já entendo...) sei que você gosta de alguém. (jogou verde)
- Amo, e daria tudo pra que essa pessoa sentisse o mesmo. Mas eu não sei, queria tanto ter coragem pra contar pra ela, eu só...
- É de mim!
- O quê? (surpresa)
- É de mim que você gosta! Que você ama, sei lá!
- Por que você diz isso?
- Porque eu não sou tonta! Eu percebi, e já faz um tempo. Você pára, do nada, e fica observando como faço tudo. Se vamos ouvir música você sempre me puxa pro seu lado, se vamos ver tv você sempre pede pra deitar no meu colo, se falo que recebi alguma carta você já pede e rasga e demonstra claramente que fica com ciúmes. E não é ciúme de amiga, me desculpe, mas pra mim você não consegue esconder alguma coisa por muito tempo.
(lacrimejando, ela enxuga a face e solta as mãos da outra, abruptamente.)
(...) não precisa ficar envergonhada, eu só queria que você dissesse, e te ajudei!
- E agora? O que a gente faz? Como a gente fica?
- Não sei.
- Você vai contar pra quem?
- Pra ninguém! Tá maluca? Isso é segredo nosso! Acabaria com a gente, não dá pra ficar com esse sentimento pra nós? Não contar vai ser bem melhor pra nos preservar!
- Sei... Tá certo então. Confio em você.
- Sei que confia, e agora tenho certeza que me ama.  Isso é raro sabia?
- O quê que é raro?
- Isso que sentimos!
- "Sentimos?" Você também gosta de mim?
- Oh idiota! Percebeu agora? Pensei que você fosse mais inteligente!
- Sério, pequena? Assim do mesmo jeito?
- Acho que sim, não sei qual é seu jeito, sei que é estranho, mas eu gosto sim, e gosto desse seu jeito estranho de gostar também.
- Você é um presente! Isso é brega, eu sei, tá? Mas é o que você é!
- Deixe de sua besteira! Te gosto muito! Demais! Também te observo e gosto quando se aproxima, quando fica juntinho. Só que sou bem melhor que você na arte do disfarce.
- Ousada! (sorrindo os quatro cantos da boca)
- Que você fica besta! Besta porque sabe que é verdade! (dá um tapinha no ombro)
- Ei, não me bata! Minha insensibilidade só está no humor, não no braço! Or!
- Frescura sempre né? Mas, vai ficar nisso?
- Como assim?
- Vai ficar com essa cara de bobona de sempre?
- Você... (é interrompida por um beijo, suave, macio e lento, mas não passou do toque dos lábios)
- Tem certeza que quer seguir com isso? Vai me aceitar mesmo?
- Por que eu não te aceitaria? Diz logo que me ama!
- Eu... Eu te amo mesmo, pequena! Nossa que vergonha que eu tô. Vish!
- Mas é idiota mesmo viu? E linda! 
(se olham)
... Daqui pra frente não sei como vai ser, mas só quero ficar mais um pouco aqui com você antes que chegue alguém.
E ali ficaram, deram-se os abraços, uma em frente à outra com as costas apoiadas, de fronte para o mar.

Não lastimo a saudade


Eu a tenho e a guardo
Aguardo a tranquilidade dessa alma embriagada
E nos meus braços trago o abraço certo
Eu espero que ninguém tire o seu sorriso
Espero que sejas feliz
Mesmo quando aquela dor apertar, tirar-te o ar do peito
E emudecer a tua voz
Mesmo quando o frio for demais e não houver abrigo
quando vier a tempestade
Desejo sua felicidade e a minha
Desejo mais desejos.







já não lembro mais


às vezes lembro, mas não é tanto assim
há certas coisas que são difíceis de esquecer, 
não diria impossíveis
mas veja você
que confusão

estou lembrando mais de viver
ando vivendo bem pra mim
mais no todo sem partes


Hoje em dia, ando mais inteira
minha felicidade gostou de mim

e costuma me dizer ser mais
gostei dela 

procuro novas formas de encará-la
descobri-la
Krishnamurti me entenderia
mas eu quase não me lembro
de entender

Casa vazia

Mudança. O caminhão de mudança levou os móveis embora. Deixou o rádio quebrado e a lâmpada ruim. A dúvida é: vou alugar? Nunca foi de meu agrado a ideia de alugar a casa. Aluguel não ajuda o recomeço. E o chão ainda está sujo. Pelo menos o ar está limpo. Menos pesado. Menos mentiras. Mais solidão.
Ao invés de um “Aluga-se”, prefiro um “Leve-me”. Leve-me para a leveza. Dê-me risadas das desgraças da vida. Olhe-me e enxergue-me. Dê-me a sua mão. Compartilhe um café-da-manhã e não um cartão de crédito. Respeite-me. Desculpe-me se quero menos loucura e mais tranquilidade. Ouça o meu silêncio. Faça-me companhia numa tarde chuvosa, com filmes e pipocas, livros e vinhos. Reforce-me a ideia de não submissão. Discuta uns temas loucos exalando sua sanidade, ou enlouqueça meus temas sãos numa discussão sem noção repleta de risadas. Aprofunde-se. Aprofunde-me. Multiplique-nos.
E aí, então, comprarei móveis novos. Uma lâmpada forte. Um rádio novo. Limparei o chão. O ar ainda mais leve com menos solidão. Mergulharei em sua alma. Encha-me a casa. Preencha-me.
© da estante
Maira Gall