" 2018 / da estante

domingo, 4 de novembro de 2018


sexta-feira, 2 de março de 2018

escreveria uma carta...


Eu te escreveria
uma carta
mas ela não
diria
o que preciso
contar.


Conto
com a covardia
de nessa manhã
tão quente
deixar
o café esfriar
de tanto
pensar
de nada escrever.

Mas, talvez
encontre
teu silêncio
em cada folha
rabisco
verdade
ou mentira
que eu pintar.

Eu não
te escreveria
apenas
por educação
mas
pela covardia
de não
saber
falar.

Quem ousaria lhe chamar de minha?


avaliado e premiado como melhor poema pela Secretaria de Cultura de Colônia


A cidade na primeira pessoa:

Eu, cidade
que me guardo apenas eu
que aguardo sustos nas esquinas
que abraço pouco
e curtamente
minhas meninas
que não tenho muito
para atracar no porto
mas que sou suficiente
para abarcar o eu.

Sim, sufoco
e o sufoco que me apraz
dentro de mim
expande meus ares
no desconforto de ser
apenas eu.

Guardo em meus sentidos
guardados perdidos
na parva história em que me rondam
em cada conto diferente
e, de memória fraca
sei pouco de mim
lembro-me pouco
e me restei com restos
com resquícios de uma história
que escavam
e escavam
até me encontrar.

Eu, cidade
faço-me história
do amanhecer
ao me “ponhar”.

Existe poesia sem rima?
Estou, sou, para provar.

A rima que raia no sol de meio-dia
não é a mesma que desponta
ao final.

O céu que me cobre aos ventos
é o mesmo que acompanha meus filhos
por todo lugar.

Eu, pouco sabidamente eu
pura e simplesmente eu
recebo de volta os meus
como se não tivera passado
o tempo de se fazer só
e não me faço
se me componho e me desfaço
num passo
imperceptível
de avanço
só quem me conhece bem
saberia que detenho um povo
sob meus braços
e que o avanço se faz
do seu caminhar.

O rio que me banha
já não têm traços
o filho que me barganha
eu não rechaço
para os que vão e vêm
tenho abertos braços
apesar de os abraços
não dizerem sim.

E, mesmo assim
continuo eu
pouco sabidamente eu
pura e simplesmente eu
uma colônia de sentidos
e argumentos
para ser menos breu.

Pouco sei da Leopoldina
do Pedro primeiro
segundo ou terceiro
e pouco me cabe saber
mas apesar dos pesares
dos ventos que me vertem
sem mares
das histórias que fazem
menos e mais
da primeira
da segunda
ou da terceira pessoa
eu continuo
e continuo eu.

sábado, 13 de janeiro de 2018

o que é de se esperar

Percorro a casa várias vezes 
sem saber onde quero chegar.
E não chego,
o que é de se esperar.

Os tempos últimos estão diferentes.
Não sei acompanhar.
Caminhos desconhecidos,
não consigo me parar.
Tenho medo da sombra que me assombra
na parede.
Tenho medo do assombro que me vem,
e da sede.
Seca lábios.
água não,
café.
Estômago não suporta 
um único canapé.
Café a seco,
seco a garrafa
arrasto o pó
pelo pé.

"Estruture o texto para chamar de poesia"
diz a consciência, a um lance
de materializar-se em boa-fé.
Não tem estrutura.
Não tenho estrutura.
Respinga indecisão
como acupuntura 
pela pele pura 
que cura 
à contrafé. 

Percorro a casa várias vezes 
sem saber onde quero chegar.
E não chego,
continuo a caminhar.

para preencher um lado só


Há de ser e há de se saber ser.
Há de sentir e há de não saber o que sente.
Desde que mundo é mundo.
Mudo.
Desde que mundo é só.
E só.
Desde que passo um passo.
Impasse.
Desde que passe um só.
É estreita a viela.
Redundante.
Desde que sinto um nó.
Nódoa grita.
Silêncio entala.
Aperta o peito com uma mão só.
Forte.
Una. Divisível.
Partida.
Mil pedaços.
Há de não saber o que se é.
Perdido.
Partido.
Foi-se o elo invisível, intangível.
Foi-se.
A foice desceu sem dó.
Perdida
e só.
Desde que mundo é mundo.
Mudo.
Desde que tudo é mudo.
Grita no espaço entre o silêncio
e a morada do ruído.
Ao ouvido, um sino.
Ao sentido, sentindo.
Ao adeus, meu deus!
Sem dó.
Volta ao status quo.
E só, é só, sem piedade
e sem dó.
No poema em que tudo é mudo
para preencher um lado só.

© da estante
Maira Gall