" julho 2019 / da estante

sábado, 6 de julho de 2019

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Durante um tempo em minha vida, vivi para acreditar. Acreditei tanto que me faltaram descrenças. Me pus a achar que poderia caminhar firme e respirar leve, mesmo que o passo apressasse. Tu és uma pessoa andante e, de certa forma, também o sou. Percebi que diminuístes teus passos para que eu te acompanhasse. Eu apressei os meus para tentar te acompanhar. O tanto que senti já nem cabia em meu peito. Parecia que todo o ar que eu tinha para respirar leve se esvaía diante de tanto carinho, tanto zelo e afeto que tu a mim direcionavas. Não que eu não conhecesse tanto esmero, eu já tinha ouvido falar nas orelhas dos livros de poesia. É que eu não sabia qual era a sensação que me dava ao corpo, o coração - naturalmente disrítmico - acelerado, as pontas dos dedos geladas e as maçãs do rosto formigando como se tivera mil frestas pelos poros esperando absorver um pouco da tua aura. 

Eu não sabia. Não o cheiro do teu perfume, pois desse eu não era fã, mas o cheiro da tua pele sempre me deu uma sensação descabida de descanso. Vez ou outra me pegava cheirando teu pescoço para sentir algo em mim desacelerar. O teu olhar agitado não condizia com a lentidão da tua respiração. Tu tinhas uma mania agonizante de respirar pela boca, sempre te disse que isto não te faria bem. Não sei se tu mudastes algo, se procurastes um especialista para te cuidar, mas caso não tenhas feito saiba que deverias. É tua saúde, afinal. Tenho medo que te falte ar em tua caminhada assim como falta a mim desde que me percebi. Agora que já não caminhamos lado a lado - se é que tenhamos feito isto integral e verdadeiramente -, acredito que estás em teu próprio compasso e que até te sintas melhor. Caminhando mais devagar, desconforme ao infame ritmo descompassado deste meu trapo que chamo de coração, te enxergo de longe e como posso, esperando um dia alcançar tua corrida e poder respirar leve de novo. 


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Durante outro tempo em minha vida, vivi para desacreditar. Desacreditei tanto que me faltaram crenças. Me pus a achar que não poderia dar passos curtos pois o tempo não esperaria por mim, não me esperaria recuperar o fôlego. Tu fostes uma pessoa andante e eu, por outro lado, corredora. Eram tuas passadas curtas e as minhas contra o tempo. Percebi que aumentastes teus passos para me acompanhar. Tentei frear os meus para que tu o fizesse. Nós perdemos o fôlego mesmo assim. 


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© da estante
Maira Gall