" Infame / da estante

sábado, 5 de maio de 2012

Infame

               
Havia o sol no rosto, escorria, queimava... Por dentro chovia forte, e seus cabelos embebidos lhe emoldurava o rosto.
Se caísse a sombra à sua imagem, saberia também que haveria de soltá-la, seu canto nem ecoa ao longe, a quietude, a extensão, montes aos montes, relento, aperto no peito, cheia de vazio. Dentro do sol sua sombra a protegia, água n'alma, se esvaía. Vai sofrer ainda todo instante que falta, vai morrer todos os dias e conceber-se à desgraça de viver em si, obrigar-se a ir, suportar-se vir. Consumia sua miséria, volta o silêncio à tua Senhora ou à teu Senhor, reverencia-lhe, dá suas entranhas para machucar e penetrar-lhe o sopro maligno da tua escuridão, trava-lhe em trevas, para todo o sempre, devotas À Ti mesma tua pouca fé, teu prazer morto, tua velha ferida. Contenta-te com tua infâmia, em teu ventre criastes o cadáver ulceroso de cicatrizes, arrastarás fria a teu Inferno, quente a teu Céu. Lamentações tuas, infame, infecundas o teu insólito destino, ao léu das ondas de teu sangue em brasa. Choras tua inquietude e teu martírio diante de teu Senhor, e pedes tua salvação. Condenada serás. Crucifica-te duma vez, e rendes teu espírito. Sobre teu peito atearás fogo, soluças tua ânsia, revoltas tua angústia, piras de ardor os teus pés. Desesperas. Pedes a teu Senhor que desfaça todo mal, que desperte de teu ventre o oriundo de teu choro, que arranque de ti os devaneios, que sedenta-lhes o peito de correntes amargas da branquidão, soca-lhe de afagos espinhosos. Prega-te de ti mesmo, e afoga-lhes teu pranto, insignificante, estéril e movediço.

Nenhum comentário

Postar um comentário

© da estante
Maira Gall